sexta-feira, 11 de junho de 2010

Recuperar-se


Numa terça-feira passada, minha mãe fez uma delicada cirurgia no pescoço, para a retirada de um tumor. Era um momento tenso para ela e para todos nós, obviamente. Na manhã da entrada no hospital, a primeira coisa que coloquei na minha bolsa foi uma sacolinha com o projeto que estava em andamento: a fronha bege, com vagonite matizado. Antes, eu havia desistido, por influência dela, de fazer a fronha toda no tecido de vagonite, muito áspero para este fim. Cortei a parte onde seria feito o bordado para, depois, aplicá-lo num tecido mais suave.

As cores vibrantes que escolhi (pink, azul e laranja) deram mais vida ao insosso tecido bege, mas confesso que fiquei pensando que deveria ter comprado o tecido branco...

No hospital, enquanto aguardávamos o momento da cirurgia, cada um lidava com o stress ao seu modo. Eu sentei no chão e puxei o bordado. Enquanto esperávamos o fim da cirurgia e meu pai entrava e saía do quarto, continuei sentada tentando me apaziguar e lidar com a angústia. Ter algo nas mãos, conduzir a linha e a agulha pelo tecido tem um certo efeito hipnótico que me impede de - dramática como sou - iniciar uma cena de novela mexicana.

Foi assim que os médicos me encontraram, quando vieram dar o resultado do procedimento. Mais tarde, quando ela voltou pro quarto e nós fomos pra casa, ainda encontrei força para mais alguns pontinhos.

Na manhã seguinte, apesar dos apelos do meu pai para que eu não desse “agulha” para ela após a cirurgia – na ótica dele não é bom para a recuperação (?) – ela pediu que eu deixasse o bordado, para ter como se ocupar até o momento da alta. E o bordado está quase pronto, pelas mãos da minha mãe que ainda se arvorou em dizer que eu fazia um péssimo acabamento e que tinha consertado várias carreiras de pontos! Sorri e apenas disse que ainda estava aprendendo.

De fato, minha história com o bordado talvez tenha começado com ela. Apesar de sempre tê-la visto sair para trabalhar, na calçada de nossa casa no interior, à tardinha, ela invariavelmente tem um trabalho na mão. Nos aproximamos no gosto por descobrir técnicas novas e por trabalhos rápidos de fazer. Agora, num momento tão tenso, pudemos compartilhar um trabalho que, quando pronto, será uma recordação desta superação.

De fato, ainda estou aprendendo... Inúmeras coisas, até mesmo a contar isto para você. Talvez não seja tão simples exprimir com palavras para quem nunca bordou ou fez qualquer trabalho manual, a emoção de compartilhar um projeto com uma mãe que volta a sorrir e, passada a tensão, parece que remoçou algumas décadas... Neste momento, enquanto ela se recupera e borda, eu escrevo e me recupero.

Um comentário:

A Casca da Cigarra disse...

Simone, é um texto incrivelmente lindo e me identifiquei demais...obrigada por partilhar isso. Estou chorando pra caramba. Beijos


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